terça-feira, 16 de dezembro de 2008

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Paulo Freire: utopia e esperança

Ilusão de ética

Dez anos já se passaram desde que, no final da madrugada de 2 de maio de 1997 (uma sexta-feira, dia chamado de veneris no calendário romano da Antigüidade, em homenagem a Vênus, deusa do Amor...), aconteceu a morte do corpo de Paulo Freire. Dez sem ouvir, de viva voz, o Mestre nos alertando para os riscos da complacência política e da conivência ingênua.

Dez anos sem escutar, dito por ele mesmo, um verbo que preciosamente inventara: “miopisar”. Em Paris, em 1986, ao receber o Prêmio Educação para a Paz da Unesco disse: “De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi, sobretudo, que a paz é fundamental, indispensável, mas que a paz implica lutar por ela. A paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta miopisar as suas vítimas”.

Miopisar! Deixar míope, dificultar a visão, distorcer o foco. Isso nos lembra a conjuntura atual da República brasileira, na qual muitos daqueles aos quais cabe constitucionalmente a tarefa de proteger a Justiça, a Democracia e a Cidadania, fraturam a honradez e a legitimidade social, impondo, mais do que uma ilusão de ótica, uma ilusão de Ética. É a transformação em “normal” de uma opaca ética do vale-tudo, do uso privado dos recursos públicos, do exercício da autoridade legislativa para tungar benesses particulares, da outorga judiciária para obter a locupletação exclusiva.

É claro que a incúria, a malversação, a prevaricação, a fraude e a negligência são temas cotidianos e recorrentes durante toda a nossa história, mas, não precisam continuar sendo... E, só não o serão mais se não os considerarmos como inevitáveis, naturais ou, até, normais. A novidade, porém, é que, no momento em que há mais divulgação e mecanismos legais de defesa contra tais desmandos e tresvarios, parece que o espaço pedagógico não vem tocando muito nesses temas (que não são nada transversais ou oblíquos e, sim, centrais e primordiais).

Paulo Freire ficaria fraternalmente irado! Irado com o entorpecimento que acomete muitas e muitos de nós que atuamos em Educação; ele com certeza brandiria a Pedagogia da indignação contra a eventual demora em transformar esse contexto nacional eticamente turbulento em um tema-gerador diário de nossa reflexão na comunidade escolar, de modo a favorecermos a rejeição ao fatalismo e à cumplicidade involuntária. É provável, também, que nosso saudoso educador pernambucano nos relembrasse que “a melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer...”.

Primavera do patriarca
Pouco mais de um mês após a morte de Paulo Freire, publiquei uma reflexão sobre ele e a sedução da esperança. Gostaria de celebrar essa lembrança com a retomada de um trecho daquela mesma homenagem, pois penso que se mantém dela a vivacidade.

“Paulo Freire (1921-1997) foi uma pessoa encantadora nas múltiplas acepções que esse adjetivo carrega. Encantava as pessoas (no sentido de enfeitiçá-las) com sua figura miúda (grande por dentro), seu sotaque pernambucano (jamais abandonado) e sua barba bem cuidada (herança profética).”

Seu maior poder de encantar tinha, no entanto, outra fonte: uma inesgotável incapacidade de desistir. De algumas pessoas se diz que são incapazes de fazer o mal, são incapazes de matar uma mosca, são incapazes de ofender alguém; Paulo Freire sofria (felizmente para nós) dessa outra incapacidade: não perdia a esperança.

Cabe perguntar: esperança em que? Na reinvenção do humano, na necessidade de inconformar-se com as coisas no modo como estão. Dizia ele que “uma das condições fundamentais é tornar possível o que parece não ser possível. A gente tem que lutar para tornar possível o que ainda não é possível. Isto faz parte da tarefa histórica de redesenhar e reconstruir o mundo”.

Tarefa histórica era uma expressão muito usada por Paulo Freire; ora, de quem recebera ele essa tarefa? De si mesmo, na sua relação com o mundo real; sua consciência ética apontava sempre como imperativa a obra perene da construção da felicidade coletiva.
Ele encarnou, como poucos, um dos ideais da Grécia clássica que dizia ser a Eudaimonia o objetivo maior da Política (da vida na polis); literalmente eu/bem + daimonia/espírito interior, significaria paz de espírito, mas sua tradução oferece um ótimo trocadilho em português: felicidade e, também, feliz/cidade.

Foi exatamente esse ideal (a política como busca da felicidade de todos e todas) que conduziu Paulo Freire para a educação e, nela, para a prática libertadora.
Muitas vezes, ao se avaliar a importância da obra de Paulo Freire e o impacto que causou na realidade brasileira e internacional, foi comum tachá-lo de um “incompreendido”. Grande engano! Ele foi muito bem compreendido e, por isso mesmo, é amado e admirado por muitos e rejeitado por outros tantos.

Paulo Freire não era (e nem poderia ser) uma unanimidade; fez uma opção pelo enfrentamento político e existencial e, dessa forma, só um resultado anódino de suas idéias e práticas conseguiria situá-lo no altar ascético (e inerme) daqueles que são aceitos por qualquer um. Afinal, mede-se, também, o alcance do que se faz pela qualidade dos adversários que se encontra e das oposições que se manifestam.

O ideal freireano, felizmente, continua robustecido e vivo para as educadoras e educadores que sustentam a força da esperança e recusam-se a admitir a falência da felicidade; esse sim é um ideal perene e amoroso.


Caminhos e escolhas

Em uma manhã de fevereiro de 1992 (lá se vão quinze anos), logo no início do ano letivo, tive a oportunidade de passar algumas prazerosas e encantadoras horas na companhia de Paulo Freire. Fazíamos uma entrevista cuja finalidade era, depois, se transformar em um depoimento, publicado, em 1997, no livro Rememória – Entrevistas sobre o Brasil do século XX 1. Grande aula naquele dia.
Enquanto conversávamos na sala da casa em que vivia com Nita Freire, distraí-me por um minuto ao observar um aparelho de som, sobre um aparador mais ao fundo. Toca-discos ainda era um objeto comum, numa época em que os CDs – agora já rumando para a obsolescência – estavam apenas iniciando sua difusão mais acelerada. Durante a entrevista, como uma deliciosa trilha sonora, havia uma música de Bach rodando em um compact disc. No entanto, minha atenção dirigia-se a alguns antigos discos de vinil alinhados sob o móvel, o mais visível com músicas de Geraldo Vandré.

No mesmo instante, vendo a capa do disco, seja por ser começo de mais um ano docente, seja por estar frente a Paulo Freire, alguém que, aos 71 anos, ensinava há mais de meio século, lembrei-me dos versos iniciais da música O Plantador, de Geraldo Vandré e Hilton Accioly (lançada no disco Canto Geral, em 1968, em plena ditadura política e durante o exílio de Freire no Chile):

“Quanto mais eu ando, mais vejo estrada
Mas se eu não caminho, eu sou é nada.

Se tenho a poeira como companheira, faço da poeira
o meu camarada”. Não é, claro, um caminhar para qualquer lugar e de qualquer modo; não é um caminhar errante e desnorteado. É preciso revigorar amiúde o alerta feito pelo mesmo Paulo Freire, em 1997, na Pedagogia da autonomia (última obra por ele lançada ainda em vida): “Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição.

Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.”

Viver sinceramente o “quanto mais eu ando, mais vejo estrada, mas se eu não caminho, eu sou é nada”. Viver docentemente.


Especial humildade

Em setembro de 1994, Paulo Freire concedeu uma entrevista à educadora equatoriana Rosa Maria Torres, grande estudiosa e conhecedora da obra do inestimável mestre que, naquele mesmo mês, completava 73 anos. A conversa só foi publicada de fato na Argentina, em maio de 1997, poucos dias após o falecimento de Paulo Freire, mas, em 2001, quando ele faria 80 anos, saiu uma tradução em português no livro Pedagogia dos sonhos possíveis 2 , organizado por sua mulher, a educadora Ana Maria Araújo Freire.

No diálogo, os temas prioritários foram a valorização do trabalho docente, a formação permanente, a necessidade de recuperação salarial, a importância específica de algumas greves do magistério, o perigo dos discursos eleitorais oportunistas, etc. No entanto, o que mais chamou a atenção foi quando, ao falar sobre o papel das greves, disse “Se eu pudesse ter mais influência através dos meus livros, através da minha postura e da minha posição, convidaria o magistério e seus dirigentes a reexaminar as táticas de luta. Não para abandoná-las. Eu seria o último a dizer aos professores ‘Não lutem’. Eu gostaria de morrer deixando uma mensagem de luta.”

Uma década após a entrevista, o mais espantoso nessa frase não é evidentemente o conteúdo que ela carrega; afinal, Paulo Freire sempre deixou claro que as táticas pela labuta contínua na melhoria da educação não excluíam, mas também não se esgotavam, nas paralisações reivindicatórias eventuais. O que suscita surpresa é a humildade verdadeira que manifesta ao relativizar, ele mesmo, com honestidade, o poder de seus escritos e ensinamentos. O mestre levanta dúvidas pessoais sobre o peso da autoridade de suas obras e ações, a ponto de afirmar “se eu pudesse ter mais influência...”.

Vai além. Usa na fala reproduzida antes o verbo no futuro do pretérito: “Eu gostaria de morrer deixando uma mensagem de luta”. Ora, o que mais fez durante toda a existência adulta? Por acaso seria aceitável supor que o conjunto da obra que viveu e publicou tenha deixado em algum instante de ser uma perene e abrasiva mensagem de ânimo combativo e crítica edificante? Esse “eu gostaria” sugere um desejo que nos parece estranho, pois, antes de tudo, o que fez incansavelmente, e assim o honramos, foi impedir que aceitássemos o falecimento da esperança.

Aí está a chave. Embora nos seja óbvia a contribuição que Paulo Freire jamais deixou de oferecer para advertir as nossas conformidades e entusiasmar as nossas intenções, ele próprio não se admitia definitivo, concluído, encerrado. Continuava, com mais de 70 anos, um ser em construção e, desse modo, em aprendizados permanentes e aspirações elevadas.

Há uma ironia etimológica. Seu nome inicial vem do latim paulu que significa “pequeno”; o vocábulo “humildade” por sua vez é oriundo da adjetivação (também latina) humilis, com o sentido de “pouca estatura”, pois tem origem no substantivo húmus (terra ou solo, o que nos está abaixo), mas, da mesma raiz indo-européia para “humano”.

Grande lição. Ser capaz de crescer porque ainda se considerava pequeno.

Mario Sergio Cortella
Filósofo, professor-titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-Graduação em Educação da PUC-SP. Integrou a equipe de Paulo Freire e foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991-1992).

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Jalapão é território americano desde setembro; tocantinense está impedido de entrar na área

25/11/2008 10:06:27

Tem muita gente indignada com o que está ocorrendo no Jalapão. Há cerca de 90 dias, a rede americana de TV CBS grava o programa Survivor, um reality show, que será comercializado para 120 países - menos para o Brasil, segundo nota do jornalista Luiz Armando Costa, na coluna Cidade Aberta, em O Jornal desta semana.

Mais de 300 pessoas estão trabalhando confinadas no projeto desde setembro. São 75 contêineres instalados para suporte do programa, numa
área de preservação ambiental, transportados para lá sobre as estradas sensíveis do Jalapão. As gravações estão sendo feitas às margens do
não menos sensível Rio Sono. Segundo informações que circulam pelo Estado, são US$ 30 milhões em equipamento.

O Jalapão foi totalmente interditado ao povo tocantinense e brasileiro. Foi transformado em território americano, e até o espaço aéreo está fechado. Para se ter idéia da "internacionalização", o avião do governador Marcelo Miranda (PMDB), que foi visitar as gravações, teve que mudar a rota porque não podia sobrevoar a área.

Fitas de filmadoras e chips de câmaras fotográficas - mesmo da Secretaria Estadual de Comunicação (Secom) - são confiscados pela equipe da CBS e só serão liberados após 12 de dezembro, quando terminam as gravações. Quem foi até o local diz que para entrar é necessário assinar um contrato, em inglês, de dez folhas (detalhe: até o governador!).

Americanos e australianos, que comandam o programa, instalaram no Jalapão a bandeira dos Estados Unidos - nem sinal, nem qualquer lembrança, de que se trata de território brasileiro e tocantinense.

Também conforme informações de quem foi até o local, há placas nas vias de acesso às dunas com as inscrições (em inglês e português) do
tipo "dunas fechadas para o público" e "propriedade particular".

O retorno do Tocantins com perda temporária (esperamos!) da autonomia sobre parte de seu território é a divulgação das imagens do Estado
para 120 países (mesmo considerando que o Jalapão, conforme especialistas, não está preparado para receber mais do que 200 visitantes).

É uma modernização daquela estratégia usada por portugueses para conquistar nossos índios: trocar espelhinhos por ouro.

Com o custo adicional da depredação de uma das nossas maiores riquezas naturais, patrimônio do povo tocantinense e brasileiro.

Será que os americanos aceitariam que fechássemos o Grand Canyon para fazer algo parecido? Que submetêssemos o governador do Colorado a esse
tipo de humilhação: ter que desviar sua rota área para não sobrevoar seu território e ter que obrigá-lo a assinar contrato em português
para poder entrar em seu território? Será ainda que aceitariam que fincássemos bandeiras brasileiras no Grand Canyon? E se impedíssemos o
ingresso nele do povo americano?

Parece que temos vocação para colônia. Não tem dinheiro, nem divulgação nenhuma, que pague abrirmos mão de nossa dignidade e de nossa autonomia.

Como diz aquela música: "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar o seu valor"!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Seminário de Estudos Locais e Regionais

O Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de São José do Rio Preto (IHGG) convida a todos para o:

I SEMINÁRIO DE ESTUDOS LOCAIS E REGIONAIS - "Cidades em debate: os estudos urbanos numa perspectiva interdisciplinar"

O I SEMINÁRIO DE ESTUDOS LOCAIS E REGIONAIS terá por finalidade promover encontros interdisciplinares e interinstitucionais através de estudos locais e regionais produzidos por profissionais de diversas formações acadêmicas e intelectuais, neste seu primeiro ano prestigiando os estudos sobre a cidade e o urbano.
O evento, realizado no dia 22 de novembro de 2008, contará com duas mesas-redondas e apresentação de trabalhos científicos.
As mesas-redondas, seguindo o propósito dos organizadores, serão constituídas por intelectuais de diferentes formações acadêmicas e instituições universitárias, todos envolvidos pela questão do urbano numa perspectiva local e regional.
Quanto aos trabalhos científicos, estamos abertos a envio de propostas por parte de alunos e profissionais de todas as áreas do conhecimento, especialmente a de História, pois sabemos do crescente número de estudos sobre cidades numa ótica que privilegia não apenas os temas do local e do regional, como também o enfoque cada vez mais forte dado às urbes do interior paulista.
O I Seminário de Estudos Locais e Regionais realizar-se-á nas dependências da FACERES (antiga UNICERES). O endereço é: Av. Anísio Haddad, 6751 - Jardim Morumbi - São José do Rio Preto/SP.
A data final para as inscrições vai até o dia 20 de novembro. Para fazer a inscrição é bem simples: basta acessar o site do IHGG http://www.ihgg.org.br/seminarios.htm ( copie e cole esse endereço ou click no link do IHGG ao lado ) e preencher o formulário de inscrição on-line. Após o preenchimento, clicar no botão "enviar", existente na parte inferior da ficha.
Lembramos a todos que, independentemente de participação com ou sem apresentação de trabalhos, é necessário o preenchimento da ficha de inscrição on-line, para fins de garantia de entrega do certificado.
Para aqueles que forem apresentar trabalhos (comunicação), além da programação do evento segue em anexo o item "instrução aos autores", que contem as normas de publicação dos textos, visto que, além de receberem certificados, os seus respectivos trabalhos serão publicados em CD-ROM.
Lembramos ainda que cada apresentador terá cerca de 20 minutos para expor o seu trabalho.
OBS.: O prazo para entrega de trabalhos completos é dia 15 de novembro.
Qualquer dúvida acessar o site acima ou entrar em contato direto com a coordenação geral do evento pelo seguinte e-mail: coordenador_ihgg@yahoo.com.br.

domingo, 26 de outubro de 2008

Movimento Estudantil


Este texto foi fruto de uma pesquisa desenvolvida para apresentação de um seminario, da disciplina Movimentos Sociais no Brasil, ministrada por Profa. Ms. Miriam Ribeiro de Barros Shaw.
Pesquisa desenvolvida por Aryane Castro, Carolina Giorjiane, Mariana Cabrera, Mayra Leticia e Victor Augusto


A LUTA ARMADA DOS MOVIMENTOS ESTUDANTIS BRASILEIROS NAS DÉCADAS DE 60 E 70

Os dez anos que compreendem de 1960 a 1970, foram anos marcados por profundas mudanças em praticamente todos os âmbitos da vida dos cidadãos ao redor do mundo. As transformações ocorridas no cenário político, cultural, comportamental, etc, marcaram para sempre e, mudaram, definitivamente, a vida de todos nós.

Durante todo o ano de 2008 muito se falou no ano de 1968 e, nos 40 anos que se sucederam após aqueles dias tão intensos que marcaram aquele ano. O referido período foi emblemático e, sem sombra de dúvida, o mais importante dentro dos dez anos que vão de 60 a 70, servindo de cenário para grandes acontecimentos em todo o mundo.

O famoso maio de 68; a Primavera de Praga; as ditaduras em toda a América Latina; o mundo fragmentado, dividido em dois blocos, ambientando a Guerra Fria; em todo o globo as pessoas pareciam inseridas num mesmo cenário, de um mesmo ato, de uma mesma peça.

No que tange ao Brasil, o cenário de mudanças e transformações é bastante parecido com o cenário que se desenha pelo resto do mundo, entretanto, inserido num contexto de ditadura, classificado como subdesenvolvido, o Brasil, assim como toda a América Latina, transforma-se em quintal dos Estados Unidos. Em sua busca desenfreada pela hegemonia mundial os E.U.A. patrocinam a ditadura, treinam os militares latino-americanos e apóiam todo o terror espalhado pelos mesmos.

O ano é 1964; o golpe militar chega transformando todo o cenário nacional. O cerceamento da liberdade dos cidadãos vai-se fortalecendo e, com a declaração dos atos institucionais a possibilidade de um país livre e democrático fica cada vez mais distante. Até que em 1968, a declaração do AI-5 elimina de vez todo e qualquer resquício de liberdade.

Enquanto a realidade de tortura e medo que se instaura no país serve como estímulo para que alguns recuem e optem por se alienar do cenário político. Por outro lado, a repressão, a eminência da morte e a dor da tortura são o principal estímulo para uma parcela da população, que se dispõe a lutar contra o poderio militar.Essa massa de militantes era formada por trabalhadores, artistas, intelectuais e estudantes. E aqui, os principais personagens são estes últimos, os estudantes, universitários e secundaristas, que deram o sangue e a vida, na luta por dias menos nebulosos.

O movimento estudantil é anterior ao contexto da ditadura e, a princípio, engrossado pelos estudantes universitários, que em suas reivindicações pediam um ensino superior de qualidade, acessível a todos. Reivindicavam também melhorias nas condições de moradia para os estudantes que vinham de fora e dependiam das instalações oferecidas pela universidade. Reivindicavam nada mais, nada menos, do que tudo aquilo que lhes era de direito. Pediam um ensino acessível, que fosse possível a todas às classes e não só às classes mais abastadas da sociedade.

Toda a articulação política dos estudantes acontecia através dos C. As, D.C.Es., D.A.Fs., UNE, UBES e outros órgãos da representação estudantil. A Lei nº 4.464, de outubro de 1964, chamada Lei Suplicy de Lacerda, elimina a UNE como representação nacional, limitando a representação estudantil ao âmbito de cada universidade. O Decreto-Lei nº 252/67, em seu Artigo 2 vetou a ação dos órgãos estudantis em qualquer manifestação político-partidária, social ou religiosa, bem como apoio a movimentos de grevistas e estudantes. Esse clima de controle ameaça e insegurança individual atingiu todas as atividades relacionadas ao fazer educativo, principalmente com o conhecido Ato Institucional No5 (AI - 5) que, em dezembro de 1968, retira do cidadão brasileiro todas as garantias individuais, públicas ou privadas, institui plenos poderes ao Presidente da República para atuar como Executivo e Legislativo. Com o endurecimento da ditadura e as novas leis vigentes estes órgãos deixam de existir; as universidades são invadidas e os estudantes violentados. Todo o direito de articulação política estudantil é vetado. A partir de então, qualquer ação política dos estudantes seria clandestina; qualquer universitário que se lançasse na aventura de reivindicar qualquer coisa seria taxado de subversivo, comunista e considerado um imenso perigo para a moral, os bons costumes e, principalmente, para a ditadura militar.

É em 1968, antes ainda do Maio de 68 francês; mais especificamente em 28 de Março de 68, que o primeiro estudante é morto pela ditadura militar. O secundarista Edson Luis de Lima Souto foi assassinado com um tiro à queima-roupa por um policial militar, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Os estudantes protestavam contra o aumento de preço das refeições e contra as más condições de higiene do lugar, freqüentado maciçamente por estudantes.

À bala que matou Edson Luis foi à mesma bala que iniciou o ciclo de mortes de estudantes; foi à mesma bala que iniciou o período da luta armada no Brasil; a mesma bala que mudou o rumo das reivindicações dos estudantes.

Se a princípio os estudantes lutavam por um ensino superior de qualidade, acessível a todos, com o endurecimento da ditadura e, com a morte e a tortura como armas para combater o movimento estudantil, essas reivindicações passam por transformações, exigindo agora à volta da liberdade de expressão, a democracia e a implantação de uma sociedade mais justa e igualitária. Se antes o discurso dos estudantes já incomodava, agora, com um discurso que prega igualdade e democracia a perseguição era pior, a única forma que os estudantes encontraram de continuar lutando foi escondidos nas sombras da clandestinidade.

Essa massa de estudantes, que agora ajudavam a figurar a esquerda brasileira, embora não quisessem a violência, não viram outra forma de combater as armas da ditadura, que não fosse também com armas. Os mais corajosos lançam-se então ao treinamento de guerrilha; vivem escondidos nos acampamentos se preparando para a chamada guerrilha urbana. De volta à cidade as práticas mais comuns dos estudantes eram os seqüestros de figurões (embaixadores, cônsules, etc), que garantiam a troca por presos políticos; praticavam também assaltos a bancos por eles chamados expropriação bancária, como forma de conseguir algum dinheiro para armar a guerrilha e manter as células revolucionárias.

Lembrando que esse movimento era informal, pois era a única força não institucionalizada de oposição a ditadura outro fator importante para essa informalidade eram os atores do movimento estudantil que eram em sua maioria compostos por jovens, e jovens são inconseqüentes, apaixonados e revolucionários por natureza.

De um lado jovens idealistas, de outro a policia política bem treinada e armada com o que havia de mais moderno, aquela luta desigual acabou em massacre, quem era contra a ditadura pagava com a vida, sem distinção de idade e sexo, o exílio político, as torturas cruéis, as prisões e os desaparecimentos incalculáveis certamente foram às derrotas do movimento estudantil.

Uma das conquistas do movimento estudantil foram às trocas de reféns por presos políticos, mas a principal conquista dos movimentos estudantis reacionários foi mostrar aos brasileiros mesmo que tardiamente que não podemos nos conformar com o que nos é imposto, e apesar desse movimento ainda não ter seu verdadeiro reconhecimento por parte do povo brasileiro não podemos negar o seu papel na queda da ditadura e a coragem desses jovens que deram sua vida por um país melhor.

Para Henrique Carneiro, professor da Faculdade de História da Universidade de São Paulo (USP), os manifestantes de 1968 não chegaram ao poder, mas obtiveram conquistas que moldaram o modo de vida atual. "As grandes conquistas ideológicas, e até simbólicas, instauraram uma política cultural alternativa. O movimento incorporou aspectos que continuam presentes hoje, como o feminismo, a revolução sexual, e a crítica às instituições".

Esse movimento deixou uma marca na sociedade brasileira, não somente no papel, com leis de diretos que fora conquistados, mas muito alem disso no marco histórico construindo um amor a pátria, de esperança de uma mundo melhor e mais igualitário. Para isso deixou de utilizar das flores para pegar em armas, a formação de um decurso e de uma forma de lutar pelos direitos na nação deixou de herança para as gerações que veio após a eles, construiu a experiência de entender de forma aprofundada os interesses da sociedade e na representatividade que muitos conseguiram com a abertura política que se iniciou depois da ditadura.

As flores mortas na ditadura formaram muitas sementes, destas sementes se brotaram muitos jardins, seus perfumes é de direito de todos, na imagem mais bela que uma flor pode ter, em seu espinho esta o quanto pode ser feito ao tentar a derrubar.



terça-feira, 14 de outubro de 2008

Livro: ENSAIO DE HISTÓRIA SOCIAL (Brado Editora-SP)


Divulgação dessa grande obra de um grande amigo. Valeu Jean
Após muitas perguntas e solicitações, de alunos, amigos e professores, trago publicamente este meu Ensaio de História Social. Uma publicação independente, organizada pela Editora Brado de São José do Rio Preto. Neste livro abordo questões pertinentes acerca da sociedade capitalista como: o papel dos intelectuais, a exploração no mundo trabalho, questão indígena, alienação, militância, entre outros assuntos. Todos de vital importância para aqueles que estão comprometidos com a luta por uma sociedade emancipada.
O lançamento será realizado no I Seminário de Estudos Marxistas, no mês de setembro, dias 25, 26, 27 e 28, na Unesp de São José do Rio Preto - SP. As vendas serão realizadas apenas por encomenda, no valor de 25 reais. Toda arrecadação será destinada à manutenção do Jornal Brado Informativo de Rio Preto. As entregas serão realizadas via Correios ou poderão ser adquiridas pessoalmente através do Jornal.
Cabe ainda lembrar aos camaradas que o preço é de capa, ou seja, visa apenas a impressão, distribuição e colaboração com o Jornal.

Grato, conto com a participação e divulgação do livro.

Encomendas e informações: bradoinform@ig.com.br
Referências do livro: 200 pp., formato14 x 21; encadernação capa dura.
Preço: R$ 25,00
Depósito em conta poupança: Itaú, Ag: 0045, C/P: 28.418-9 (em nome do Editor: Marcos E. R. Alves)

Blog do Prof.Jean
http://profjean.blogspot.com/

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O Homem Moderno

Publicado no Correio do Povo de 16/06/2008, achei formidável o texto e a visão de Juremir Machado da Silva, sobre o Homem Moderno. Para quem não tem o jornal, esta aí o texto:

As comemorações de maio de 1968 acabaram. Ou quase. Dentro de dez anos, serão mais intensas. Meio século tem mais charme do que 40 anos. Mas os frutos daquele tempo estão aí e não param de chamar a atenção. Um deles, talvez o mais importante, junto com a mulher sexualmente liberada, é o homem moderno. O problema é que não surgiram, por exemplo, publicações e especialistas que tratem dessa nova categoria. Em qualquer banca de jornais, até em vilarejos, é possível encontrar revistas para mulheres modernas. E o homem moderno como fica? Abandonado. Não tem a quem recorrer. Salvo aos psicanalistas. A verdade é que ele precisa de ajuda.
A vida de um homem moderno é complexa e provoca inúmeros distúrbios nunca observados antes. O homem moderno precisa ser ético, estético, atlético e, de preferência, sexualmente épico. Acossado por tantas obrigações, acaba, muitas vezes, por ser apenas patético. O homem moderno precisa ser bem-sucedido no trabalho, bom pai, bom filho, excelente marido, grande cozinheiro, conhecedor de vinhos, capaz de fazer aquelas frases enigmáticas sobre o conteúdo de cada garrafa que abre, e ainda trocar fraldas, assar um bom churrasco, se for gaúcho, ter pegada, atitude, sensibilidade, virilidade, passar creminho, usar perfume, abrir a porta do carro, pagar a conta no restaurante, ao menos nas ocasiões especiais, dar porrada em sujeito abusado, que tente ofender a sua dama na rua, e ser charmoso e sedutor.
Tudo isso sem revista alguma para ajudar. Sem um colunista diário para dar dicas de como enfrentar o cotidiano. Sem livros de auto-ajuda. Sei que existem alguma publicações dirigidas ao público masculino, mas elas não estão à altura das dificuldades enfrentadas pelo homem moderno. Que cueca usar no primeiro encontro com uma mulher? Samba-canção ou sleep? De que cor? São detalhes extremamente importantes. Deve-se tentar ir para a cama já na primeira saída? Isso não poderá ser visto como uma atitude machista? O contrário, porém, não tenderá a ser considerado falta de pegada ou até desinteresse? O certo é tentar justamente para que não funcione e assim cada um cumpra a sua parte no ritual consistindo em não querer sempre querendo? Viram só?
É problema que não acaba mais. O homem moderno casado de longa data, então, precisa mais do que ninguém de ajuda. Questões transcendentais o assolam: é brega ou bacana convidar a mulher para comemorar o aniversário de casamento num motel? No caso de ser bacana, como escolher o motel? Apresentar logo um nome e endereço não vai provocar desconfiança? Se ela tiver uma sugestão, isso não vai detonar ciúme (como é que ela sabe?), terminando os dois emburrados na cama do casal? Dizer que um amigo, ou uma amiga, no caso dela, indicou, essa é uma boa saída? Não vai gerar comentários do tipo: 'Ah, então teus amigos freqüentam motéis?'. Ou: 'Diga-me com quem andas e te direi que motéis freqüentas'?. Claro, felizmente a vida de um homem moderno não se resume a questões sexuais.
Alguns dilemas antigos persistem: onde passar o Natal? E a virada do ano? Na casa da mãe? Na casa da sogra? O problema é que a mãe de um é sempre a sogra do outro. Mais complicado ainda: onde passar os domingos? O homem moderno deve ser superior a tudo isso, compreensivo, generoso, forte, certeiro, gentil, firme, incansável e seguro. Mais do que tudo, jamais deve roncar ou virar para o lado e dormir depois do sexo. O homem moderno, portanto, é um herói ignorado pela mídia.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

IDEOLOGIA: DESEJO, VONTADE, NECESSIDADE.

Mas o que faz com que o poder de convencimento da ideologia seja tão forte? Se ela é constituída por idéias que falseiam a realidade para que na sociedade tudo continue como está, por que as pessoas simplesmente não se revoltam contra ela?

É parece que a coisa não é assim tão simples. Se fosse, não estaríamos imersos em todo esse processo de dominação e submissão das pessoas.

Para tentar entender o processo de "funcionamento" da ideologia, voltemos à questão da propaganda. O que leva um sujeito a fumar Hollywood? Por que ele não se dá conta de que seu sucesso não depende do cigarro que ele fuma ou deixa de fumar?

É claro que todo indivíduo deseja ter sucesso na vida. Mas também é evidente que, numa sociedade de dominação e desigualdades, o sucesso não é possível para todos. Para que alguns possam ser muito bem - sucedidos, é necessário que muitos outros permaneçam na miséria. Se for alardeado pelos meios de comunicação que o sucesso não é possível para todos, certamente teremos uma boa dose de inconformismo social que pode levar até mesmo a violentas revoltas. A ideologia trata então de disseminar a idéia de que vivemos numa sociedade de oportunidades e de que o sucesso é possível, bastando que, para atingi-lo, cada indivíduo se esforce ao máximo. Em contrapartida, vemos milhões de pessoas vivendo na miséria...

Às vezes, alguém se esforça ao limite, mas nada de chegar ao sucesso . Ele permanece como um ideal, um sonho quase inatingível, mas do qual não abrimos mão, do qual jamais desistiremos. Quando esse indivíduo vê o belíssimo comercial do cigarro que estampa a imagem do sucesso, algo desperta, bem lá no íntimo de seu ser. Inconscientemente, ele associa a imagem do cigarro à imagem do sucesso, e renova suas forças na busca de obtê-lo. Fumar Hollywood é ser bem - sucedido, embora, na verdade, ele continue insatisfeito com seu trabalho, seu salário, com seu casamento...

Você já deve Ter conseguido perceber o que estamos tentando explicar: a ideologia funciona tão bem porque age atravessando e invadindo o íntimo das pessoas. E embora seja um corpo de idéias, não domina pela idéia, mas pelas necessidades criadas por essas idéias, pelos desejos que elas despertam. O discurso ideológico é aquele que consegue tocar nas vontades e ambições mais íntimas de cada indivíduo, dando-lhe a ilusão de sua realização. Alguém fuma Marlboro e tem a ilusão de sua realiza sua vontade de ter acesso a um outro mundo, a uma terra de liberdade, um pasto para cavalos , lugar de homem corajoso e forte que, com bravura, realiza-se no que faz; alguns passam a ver seu patrão como um ideal a ser alcançado, como alguém que gostaria de ser, imaginando que ele alcançou o sucesso, tem tudo o que quer e é feliz; alguém tem a vontade de tomar a vitamina Eletrizan para ter mais energia; alguém quase careca usa um xampu que lhe promete uma abundante cabeleira, e assim por diante.

Para sermos mais enfáticos, além de lidar com as necessidades e as vontades e de influenciar os desejos das pessoas, a propaganda produz outras necessidades e administra sua satisfação, de modo que cada um tenha uma ilusão de felicidade, uma ilusão de prazer e se acomode à situação vivida de sempre querer mais. O consumismo nada mais é do que a afirmação dessa realidade de realizar os desejos dos outros como se fossem nossos. Por que você sempre precisa usar uma roupa de grife? Ou cortar o cabelo de acordo com a moda? Enquanto você consome, suas vontades vão sendo realizadas, mas, ao mesmo tempo, novas necessidades vão sendo criadas, de forma que é praticamente impossível escapar dessa "roda viva". Enquanto você consome, não questiona a sociedade na qual vive nem que o leva a consumir tanto.

No âmbito da política, a ideologia aparece da mesma forma. Observe as propagandas em época de eleições. Elas sempre tocam nas necessidades básicas das pessoas. Os candidatos que saem vencedores nas eleições são sempre aqueles que melhor conseguirem tocar nos desejos dos eleitores, que conseguiram produzir neles a idéia de uma satisfação futura. Desse modo, nem sempre votamos nos candidatos que poderiam defender melhor nossos interesses sociais; na maioria das vezes, ao contrário, votamos naqueles que, de algum modo, prometem uma satisfação para nossos desejos.

Prof.Dr.Silvio Gallo

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Karl Marx manda lembranças

O que vemos não é erro; mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas .

AS ECONOMIAS modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.

Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada. Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.

Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.
Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.

CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Liberdade vigiada

Depois que passou da moda do relativismo absoluto, do pós-modernismo escancarado e alienado, do antropologismo raso de boteco, as pessoas começam a notar que: não, não se deve respeitar todos os valores de uma outra cultura simplesmente porque é uma outra cultura, e que se ela transgride os direitos humanos, vai contra a liberdade de expressão e sufoca minorias étnicas e raciais, não há relativismo fajuto que aguente. E não venham tentar me convencer de que as mulheres no Islã gostam de usar um pano negro que lhes cobre a cara num calor de quase quarenta graus, de que elas o usam por opção, porque toda falácia tem limite e, por mais convincente que seja, vai se vergar ao peso da obviedade praticamente pornográfica da questão.
Mesmo aceitando o pressuposto de que os direitos humanos básicos devem ser respeitados, há um tipo de intelectual mal informado e mal intencionado que elege valores intocáveis, que não podem ser sequer discutidos. Religião, por exemplo. O assunto começou a ficar bom no começo do ano com a polêmica das charges - engraçadíssimas - e agora com o quiprocó comprado pelo Papa ao se referir de modo pouco sutil à selvageria terrorista do fundamentalismo islâmico. Há quem alegue que não se deve brincar com a religião alheia, que ela é coisa séria e que deve ser respeitada. Bem, vamos por partes: se é coisa séria ou não, isso é irrelevante. É séria para quem a considera como tal. E quem é o paladino da moralidade que elege o que deve ser respeitado? Um celibatário esquizofrênico do vaticano? Um aiatolá maluco que faz apologia da jihad e da conversão pela espada? Segundo os meus critérios - e de muita gente esclarecida por aí - são esses os menos aptos a atuar como formadores de opinião.
Se existem valores que devem ser respeitados sobre quaisquer circunstância, esse são os direitos humanos e a liberdade de expressão, o resto é conversa mole e quem muito reclama dá bom dia a cavalo e se torna um obscurantista inconveniente e desagradável. É impressionante como a comunidade muçulmana fica toda ´ofendidinha` com qualquer menção ao seu profeta. Como reagem violentamente e desporporcionalmente a uma ou duas gracinhas. Por que? Justamente porque os líderes fanáticos transformam essas besteiras casuais em sérios incidentes internacionais. E a multidão, sempre usada como massa de manobra, vai na onda desses cretinos irresponsáveis. O povo conta piada, fala putaria, brinca e sacaneia. Não é - e nunca foi - moralmente asséptico. É o fanático talibã que quer lhe impor uma moralidade obtusa, anacrônica e hipócrita.
A verdade é que todo mundo se julga ofendido em alguma circunstância, por algum motivo. Se formos respeitar o a sensilidade de cada um, fica difícil sair do lugar. É como naquela frase de Paulo Mendes campos, a respeito dos puristas que criticavam o teatro de Nelson Rodrigues: "Se admitirmos, por hipótese, um mundo mentalmente asséptico, varrido de todos os preconceitos, estejamos certos de que o drama e a tragédia desaparecerão dos palcos."
Por mim, estariam abolidas piadas, gracinhas e referências desrespeitosas à: tricolores, brasilienses, narigudos, branquelos, gagos, pessoas que tem a língua presa, que tem chulé, que tem micose ou que tem cera no ouvido. Também não quero ouvir mais um pio sobre a minha religião - o hinduísmo cyberpunk - e exijo um pedido de desculpas público e uma retratação formal a qualquer um que ridiularize cães, gatos e papagaios.
Não quero banalizar a questão e fazer apologia do escancaramento opinativo. Numa democracia laica nenhum psicopata vai defender o racismo, a pedofilia ou a opressão das mulheres. Por que são questões palpáveis e concretas. Agora, me digam qual o problema de se sacanear um profeta religioso que viveu séculos atrás? Como isso poderia possivelmente prejudicar alguém? Pois é. Não prejudica. É o líder religioso - cercado por suas fajutas representações alegóricas - que quer te convencer a se sentir desrespeitado, quando a sua integridade está assegurada. Me dêem um Cristo de pau duro. Quero ver Xangô e Iemanjá se lambuzando numa suruba e dançando o batidão do funk proibido carioca. Ou um Maomé alucinado com uma bomba na cabeça e uma crise de diarréia. Ou um buda obeso e letárgico fumando uma tora de maconha enquanto assiste Cine Privê na décima quarta dimensão. Tudo isso é banal, prosaico e inofensivo. Essas entidades não ficarão ofendidas ou magoadas com ninguém. São seres altamente evoluídos - se é que existem - e devem até achar graça de tanto barulho por nada.

Andre Catuaba

Enquanto houver um explorado e um oprimido não haverá paz

"O fascismo israelense está vivo e esperneia. Cresce no mesmo canteiro que já gerou vários grupos religiosos-nacionalistas clandestinos: o grupo que tentou explodir os locais sagrados para os muçulmanos, no Monte do Templo; os que tentaram assassinar prefeitos palestinos, a gang “Kach”; os autores do massacre em Hebron; Baruch Goldstein, assassino do ativista pela paz Emil Gruenzweig; o assassino de Yitzhak Rabin; e todos os grupos clandestinos que foram descobertos em estágio inicial de organização, antes de chegarem ao conhecimento público".

"O sistema de justiça interno do Exército de Israel é monstruoso: não se pode dizer menos. O comandante que deteve uma mulher palestina em trabalho de parto e com sangramento, num posto de fronteira, causando a morte do bebê, recebeu, como pena, duas semanas de detenção. O comandante que ordenou que um soldado atirasse na perna de um palestino algemado foi “transferido” – o que significa que esse criminoso de guerra pode continuar servindo em outra unidade do Exército".

O fascismo? Pode, sim, acontecer em Israel.*

Uri Avnery

O SOBRENOME ALEMÃO Sternhell significa “brilhante como as estrelas”. É nome adequado: as posições do Professor Ze'ev Sternhell destacam-se, brilhantes, contra a escuridão do céu. Sempre denunciou o fascismo israelense. Essa semana, os fascistas israelenses jogaram uma bomba de fabricação caseira (um cano selado, com pregos e explosivos) na entrada de seu apartamento, e ele sofreu ferimentos leves.

À primeira vista, a escolha da vítima parece estranha. Mas os autores do atentado sabiam o que faziam.

Não atacaram os ativistas que, todas as semanas, fazem manifestações contra o Muro da Separação em Bilin e Naalin. Não atacaram os grupos de esquerda que, ano após ano – e em 2008 também – mobilizam-se para ajudar os palestinenses a colher suas azeitonas nos pontos mais perigosos, nas vilas mais próximas das colônias israelenses. Não atacaram as “Mulheres de preto” que se reúnem todas as 6ªs-feiras, nem as mulheres do movimento “Machsom Watch” que vigiam os postos de controle, para registrar e denunciar as violências praticadas por soldados israelenses. Atacaram alguém que só faz trabalho intelectual.

As lutas de campo são essenciais. Mas elas só visam influenciar a opinião pública. A principal batalha é a batalha de idéias. E é aí que os intelectuais têm papel tão importante a desempenhar.

No plano das idéias, há duas visões em confronto, em Israel, dois modos de ver, tão distantes um do outro quanto o Oriente é distante do Ocidente. Por um lado, há uma Israel culta, moderna, secular, liberal e democrática, que vive em paz e em parceria com a Palestina, vendo-a como parte integrante e integral da Região. Por outro lado, há uma Israel fanática, religiosa, fascista, que se auto-exclui, tanto quanto se auto-exclui da humanidade civilizada, gente que “duela sozinha e não será reconhecida entre as nações” (Números, 23:9), onde a “espada devorará para sempre” (2, Samuel 2:26).

Ze'ev Sternhell é um dos guias mais brilhantes da visão mais iluminada, mais lúcida. Suas posições brilham como estrelas, resolutas e incisivas. Não surpreende que tenha sido escolhido como alvo para os neo-nazistas que há em Israel e suas bombas neo-nazistas.

Sternhell é intelectual especialista nas origens do fascismo, um tema ao qual também me dedico, ao longo de toda a minha vida. Ele e eu somos movidos por interesses semelhantes: o nazismo deixou marca indelével na nossa infância e no nosso destino. Criança, testemunhei o nascimento do nazismo na Alemanha. Criança, Sternhell viu o nazismo nascer na Polônia, quando, depois da morte do pai, perdeu a mãe e a irmã no Holocausto.

“Quem conhece água fervente, tem medo até de água fria”, diz um velho provérbio judeu. Quem tenha conhecido o fascismo atacar a própria vida, na infância, é e para sempre será excepcionalmente sensível ao primeiro sintoma de recaída da mesma doença. Em 1961 escrevi um livro com o título de “A suástica” (que só existe em hebraico), no qual tentei decifrar o código das raízes do nazismo. Ao final do livro, pergunto: “Poderá acontecer em Israel?” Minha resposta bem clara: Sim, pode. Pode acontecer em Israel.

Sou sensível a qualquer sinal daquela doença na nossa sociedade israelense atual. Como jornalista e editor de uma revista, usei minha lanterna para iluminar melhor cada sinal que vi ou pressenti. Como ativista político, combato-os todos os dias, seja no Parlamento seja nas ruas.

Sternhell, por sua vez, depois de uma carreira militar, passou a dedicar-se integralmente à vida acadêmica. E usa os instrumentos da academia: pesquisa, aulas e publicações. Luta para encontrar as melhores definições, as mais precisas, sem buscar popularidade e fugindo às provocações. Em um de seus artigos, há anos, escreveu que a resposta violenta dos palestinenses contra a ocupação é resposta esperável, natural. Por isso, atraiu sobre si a eterna ira dos moradores das colônias e da extrema direita, que trabalharam muito para impedir que Sternhell recebesse o “Prêmio Israel” – a mais importante láurea que há entre nós.

Agora, recorreram às bombas de fabricação caseira.

QUEM PÔS lá aquela bomba? Um único indivíduo? Um grupo? Algum novo grupo clandestino? Os terroristas das colônias? Cabe à Polícia e ao Shin-Bet descobrir.

Do ponto de vista do público, o assunto é mais simples: vê-se facilmente em que canteiro florescem essas sementes daninhas, que ideologia lhes serve de adubo, e quem as semeia por aí.

O fascismo israelense está vivo e esperneia. Cresce no mesmo canteiro que já gerou vários grupos religiosos-nacionalistas clandestinos: o grupo que tentou explodir os locais sagrados para os muçulmanos, no Monte do Templo; os que tentaram assassinar prefeitos palestinenses, a gang “Kach”; os autores do massacre em Hebron; Baruch Goldstein, assassino do ativista pela paz Emil Gruenzweig; o assassino de Yitzhak Rabin; e todos os grupos clandestinos que foram descobertos em estágio inicial de organização, antes de chegarem ao conhecimento público.

São ações que não podem ser atribuídas a indivíduos ou a rogue groups, a rebeldes ou a “grupos do mal”. Há, bem evidente, uma franja fascista na sociedade política em Israel. Em termos ideológicos, são nacionalistas religiosos; têm líderes espirituais, “rabinos” que formulam essa específica visão de mundo e seu respectivo modo de agir. Esses judeus não trabalham em segredo. Ao contrário, oferecem seus serviços na feira, no mercado.

O setor está concentrado nas colônias ‘ideologizadas’. Não significa que todos os colonos judeus sejam fascistas. Mas quase todos os fascistas são colonos judeus. Concentram-se em colônias bem conhecidas. Por acaso ou não por acaso, todas essas colônias ideologizadas estão situadas no coração da Cisjordânia, nas cercanias do Muro de Separação. A primeira delas, na área de Hebron, foi instalada pelo líder ‘esquerdista’ Yigal Allon; outra, próxima de Náblus, pelo líder ‘esquerdista’ Shimon Peres.

DURANTE os últimos meses, aumentou muitíssimo o número de incidentes nos quais colonos atacam soldados, policiais e ‘esquerdistas’ palestinenses.

São atos cometidos abertamente, para aterrorizar e intimidar. Colonos vandalizam as vilas palestinas cujas terras cobiçam ou invadem; ou agem por vingança.

São pogroms no sentido clássico da palavra: atos de vandalismo, executados por grupos armados, intoxicados de ódio contra população civil desarmada; e o exército e a polícia apenas observam. Os Pogromchiks destroem, ferem e matam. Nos últimos tempos, tem acontecido cada vez mais freqüentemente.

Nos raros casos em que o exército ou a polícia intervêm, não tomam conhecimento da ação dos colonos; atacam os ativistas israelenses dos grupos pró-paz que acorrem para ajudar os agricultores palestinenses agredidos. O porta-voz dos serviços de segurança de Israel e os comentaristas que ainda tentam aparentar alguma isenção falam de “agitadores da Esquerda e da Direita”. Nada mais falso que essa aparente isenção – a qual, ela também, é parte do arsenal de truques que os fascistas sempre usaram.

Os pogroms organizados pelos colonos judeus são violentos por sua própria natureza, tanto na intenção quanto na ação; e os ativistas do campo da paz são não-violentos por princípio. Sempre que há violência, começa nos movimentos do exército e da polícia de fronteira, sob o pretexto de que, antes, foram agredidos por meninos locais que lhes atiraram pedras. O que ninguém diz é que soldados e policiais de fronteira, super-armados e super-blindados, perseguem os manifestantes pelas ruas e vielas das cidades.

A violência e a agressividade dos musculosos militantes da extrema direita – “ativistas da Direita”, como a mídia insiste em dizer, com cortesia máxima – estão aumentando dia a dia. Fazem o que querem, quando querem, porque sabem perfeitamente que nada e ninguém os punirá. Sabem que a polícia mantém-se distante e não interfere; e sabem também que, ainda que a polícia interfira, os tribunais não os condenarão a qualquer tipo de pena mais severa.

TODOS que conheçam a história do nazismo conhecem bem o vergonhoso papel que tiveram os tribunais e demais agentes da lei, na República de Weimar, em relação aos criminosos cujo único objetivo era atacar o próprio sistema democrático. Os agitadores nazistas recebiam penas leves, porque os juízes os declaravam “patriotas equivocados”; e os agitadores comunistas eram tratados como agentes e espiões estrangeiros.

Atualmente, Israel está vivendo o mesmo fenômeno. Os colonos israelenses que infringem a lei recebem condenações simbólicas; os palestinos, mesmo quando acusados por infrações muito mais leves, recebem penas duríssimas. Hoje, um colono que atice seus cães contra um comandante de batalhão é absolvido; exatamente como acontece, também, mesmo que ele quebre os ossos de um chefe de destacamento.

O sistema de justiça interno do Exército de Israel é monstruoso: não se pode dizer menos. O comandante que deteve uma mulher palestina em trabalho de parto e com sangramento, num posto de fronteira, causando a morte do bebê, recebeu, como pena, duas semanas de detenção. O comandante que ordenou que um soldado atirasse na perna de um palestino algemado foi “transferido” – o que significa que esse criminoso de guerra pode continuar servindo em outra unidade do Exército.

O aumento no número e na gravidade de incidentes desse tipo prova que está aumentando o poder do fascismo israelense? À primeira vista, sim, pode-se ter essa impressão.

Mas, se se pensa melhor, creio que a verdade é o contrário disso.

Os colonos fanáticos sabem que perderam o apoio da opinião pública em Israel, e que os cidadãos comuns os vêem como bandidos perigosos. Seus movimentos, expostos pela televisão, são criticadas, muitas vezes com indignação e horror. A visão do “Tudo por Israel” não apenas perdeu altitude. Pode-se dizer que já se esborrachou no chão da realidade. Os zelotes[1] agem como agem porque estão fracos e frustrados.

Como os nazistas odiavam a República alemã, assim esses fanáticos estão começando a odiar o Estado de Israel. E têm boas razões. Estão vendo que não há lugar para eles no consenso nacional que vai ganhando corpo em torno da idéia de “Dois Estados para dois povos” – seja por razões negativas, como os medos demográficos que nascem da ocupação; seja quando prospera por razões positivas: pela esperança de alcançarmos paz e prosperidade, depois de Israel retirar-se dos Territórios Ocupados.

Prossegue a discussão sobre as fronteiras, mas a maioria já vê o Muro de Separação como a fronteira futura. (Como sempre repetimos, desde o início, o muro não foi construído, de fato, para impedir a aproximação de homens-bomba, como dizem as autoridades israelenses; foi construído para demarcar a futura fronteira entre os dois Estados).

O establishment israelense deseja anexar as terras que ficam entre o muro e a Linha Verde; e está preparado para oferecer terras de Israel aos palestinenses, em troca. Como os colonos interpretam essa evidência?

A maioria dos colonos vivem em colônias próximas da Linha Verde que, por esse conceito, serão anexadas a Israel. Esses colonos, não por acaso, são colonos ‘não-ideológicos’, que buscam apartamentos baratos e “qualidade de vida”, em área próxima de Telavive ou Jerusalém. Esses colonos aceitarão, muito provavelmente, qualquer acordo de paz que os mantenha em território de Israel.

Os colonos extremistas, os que são motivados por idéias fascistas-religiosas, vivem em pequenas colônias a leste do muro, que serão desmanteladas tão logo a paz seja assinada. São pequena minoria, mesmo entre os colonos, apoiados por uma minoria radical da extrema direita. Aí, exatamente, é que está vicejando o violento fascismo israelense.

Era uma vez… mas, sim, já houve tempo em que uma Linha Vermelha corria paralela à Linha Verde; quando se pensava que o terrorismo religioso-nacionalista feriria ‘apenas’ os palestinos e não atingiria israelenses. Até o rabino Meir Kahane, fascista nato, dizia isso.

Essa ilusão desmanchou-se no ar, com o assassinato de Yitzhak Rabin. Então se viu que o fascismo israelense é igual ao fascismo clássico, que troveja contra “o inimigo estrangeiro”, mas dirige seu terrorismo contra “o inimigo interno”.

A bomba de fabricação caseira que explodiu à porta da casa de Sternhell deve fazer acender todas as luzes vermelhas, porque se soma ao assassinato de Emil Gruenzweig e às ameaças à vida de outros conhecidos ativistas da paz.

A batalha decisiva, a batalha pela sobrevivência de Israel, está entrando em nova fase – muito mais violenta, muito mais perigosa. Mas mais grave que o perigo que ameaça as pessoas é o perigo que ameaça toda a sociedade israelense. Sobretudo se não mobilizar todos os seus recursos – governo, polícia, Serviço de Segurança, lei, tribunais, a mídia e o sistema educacional – para enfrentar esse perigo.

Não creio que o fascismo derrotará a sociedade israelense. Creio na força da democracia em Israel. Mas se eu for encurralado e me perguntarem: “Pode acontecer em Israel?”, serei obrigado a responder: “Sim, o fascismo pode acontecer em Israel.”