quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Liberdade vigiada

Depois que passou da moda do relativismo absoluto, do pós-modernismo escancarado e alienado, do antropologismo raso de boteco, as pessoas começam a notar que: não, não se deve respeitar todos os valores de uma outra cultura simplesmente porque é uma outra cultura, e que se ela transgride os direitos humanos, vai contra a liberdade de expressão e sufoca minorias étnicas e raciais, não há relativismo fajuto que aguente. E não venham tentar me convencer de que as mulheres no Islã gostam de usar um pano negro que lhes cobre a cara num calor de quase quarenta graus, de que elas o usam por opção, porque toda falácia tem limite e, por mais convincente que seja, vai se vergar ao peso da obviedade praticamente pornográfica da questão.
Mesmo aceitando o pressuposto de que os direitos humanos básicos devem ser respeitados, há um tipo de intelectual mal informado e mal intencionado que elege valores intocáveis, que não podem ser sequer discutidos. Religião, por exemplo. O assunto começou a ficar bom no começo do ano com a polêmica das charges - engraçadíssimas - e agora com o quiprocó comprado pelo Papa ao se referir de modo pouco sutil à selvageria terrorista do fundamentalismo islâmico. Há quem alegue que não se deve brincar com a religião alheia, que ela é coisa séria e que deve ser respeitada. Bem, vamos por partes: se é coisa séria ou não, isso é irrelevante. É séria para quem a considera como tal. E quem é o paladino da moralidade que elege o que deve ser respeitado? Um celibatário esquizofrênico do vaticano? Um aiatolá maluco que faz apologia da jihad e da conversão pela espada? Segundo os meus critérios - e de muita gente esclarecida por aí - são esses os menos aptos a atuar como formadores de opinião.
Se existem valores que devem ser respeitados sobre quaisquer circunstância, esse são os direitos humanos e a liberdade de expressão, o resto é conversa mole e quem muito reclama dá bom dia a cavalo e se torna um obscurantista inconveniente e desagradável. É impressionante como a comunidade muçulmana fica toda ´ofendidinha` com qualquer menção ao seu profeta. Como reagem violentamente e desporporcionalmente a uma ou duas gracinhas. Por que? Justamente porque os líderes fanáticos transformam essas besteiras casuais em sérios incidentes internacionais. E a multidão, sempre usada como massa de manobra, vai na onda desses cretinos irresponsáveis. O povo conta piada, fala putaria, brinca e sacaneia. Não é - e nunca foi - moralmente asséptico. É o fanático talibã que quer lhe impor uma moralidade obtusa, anacrônica e hipócrita.
A verdade é que todo mundo se julga ofendido em alguma circunstância, por algum motivo. Se formos respeitar o a sensilidade de cada um, fica difícil sair do lugar. É como naquela frase de Paulo Mendes campos, a respeito dos puristas que criticavam o teatro de Nelson Rodrigues: "Se admitirmos, por hipótese, um mundo mentalmente asséptico, varrido de todos os preconceitos, estejamos certos de que o drama e a tragédia desaparecerão dos palcos."
Por mim, estariam abolidas piadas, gracinhas e referências desrespeitosas à: tricolores, brasilienses, narigudos, branquelos, gagos, pessoas que tem a língua presa, que tem chulé, que tem micose ou que tem cera no ouvido. Também não quero ouvir mais um pio sobre a minha religião - o hinduísmo cyberpunk - e exijo um pedido de desculpas público e uma retratação formal a qualquer um que ridiularize cães, gatos e papagaios.
Não quero banalizar a questão e fazer apologia do escancaramento opinativo. Numa democracia laica nenhum psicopata vai defender o racismo, a pedofilia ou a opressão das mulheres. Por que são questões palpáveis e concretas. Agora, me digam qual o problema de se sacanear um profeta religioso que viveu séculos atrás? Como isso poderia possivelmente prejudicar alguém? Pois é. Não prejudica. É o líder religioso - cercado por suas fajutas representações alegóricas - que quer te convencer a se sentir desrespeitado, quando a sua integridade está assegurada. Me dêem um Cristo de pau duro. Quero ver Xangô e Iemanjá se lambuzando numa suruba e dançando o batidão do funk proibido carioca. Ou um Maomé alucinado com uma bomba na cabeça e uma crise de diarréia. Ou um buda obeso e letárgico fumando uma tora de maconha enquanto assiste Cine Privê na décima quarta dimensão. Tudo isso é banal, prosaico e inofensivo. Essas entidades não ficarão ofendidas ou magoadas com ninguém. São seres altamente evoluídos - se é que existem - e devem até achar graça de tanto barulho por nada.

Andre Catuaba

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